Faz algum tempo que sigo Edgar Kanaykõ, da etnia Xakriabá, no Instagram. O fotógrafo, que nasceu e vive na Terra Indígena Xakriabá, município de São João das Missões, em Minas Gerais, teve o primeiro contato com as câmeras no começo dos anos 2000, quando chegou também na aldeia a rede elétrica e outras tecnologias.
Na juventude ele já se interessava pelas imagens como forma de simples registro mas nem sempre a fotografia foi bem vinda entre o seu povo. Por muito tempo as câmeras ficaram associadas apenas àqueles que vinham de fora, turistas ou invasores que fotografavam as aldeias mas nem sempre contavam a sua história como deviam, sem a ética necessária em contextualizar o objeto fotografado; sem respeito pelo que poderia ou não ser “revelado”.
Sim, para os Xakriabá, a fotografia pode revelar segredos além do que os olhos podem captar. Não à toa que, na língua akwẽ, hêmba significa tanto “alma” quanto “imagem”. Edgar nos conta que, ao fotografar rituais, são os espíritos locais, por meio dos pajés, que dizem o que pode ou não ser mostrado.
Quando entrou na faculdade para cursar Formação Intercultural para Educadores Indígenas, em 2009, Edgar já sabia que queria estudar as imagens, mas mergulhou mesmo neste universo quando, no mestrado, recebeu apoio da Associação Indígena Xakriabá para que desenvolvesse uma reflexão sobre essa importante tecnologia.
A vivência na universidade ampliou ainda mais o seu olhar. Ali ele conheceu a etnografia (estudo sobre a cultura de grupos sociais) e deu-se então seu encontro com a etnofotografia, que, além de ser uma forma de falar de sua cultura, também era uma poderosa ferramenta de luta.
Sendo o primeiro indígena mestre em Antropologia pela UFMG, decidiu nomear a sua dissertação de mestrado como “Etnovisão: o olhar indígena que atravessa a lente”. Edgar sempre teve o cuidado de ser compreendido pelo seu povo, mantendo o respeito que, por muito tempo, os povos originários não tiveram sobre as imagens que eram captadas em suas aldeias, retratando o seu cotidiano.
Essa é uma importante característica do trabalho de Edgar e de outros fotógrafos indígenas: uma verdadeira etnografia reversa, passando de objeto para sujeito! Agora, com autonomia, são eles que utilizam a câmera e decidem como contar as suas histórias e mostrar a sua realidade.
A exposição mais recente de Edgar Kanaykõ chama-se “Siwẽttêt: resistência”, retratando a realidade sob a ótica indígena, com trabalhos de toda a sua carreira. Essa exposição fez parte do Festival de Inverno UFMG, que você pode conferir aqui.
Em julho deste ano, ele foi o primeiro colocado no Prêmio de Fotografia, Ciência & Arte do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) com seu trabalho “Iny: O Brilho dos Espíritos”, captado durante o ritual Kuarup, realizado pelo povo Kuikuro no Alto Xingu (MT).
Sigam Edgar no Instagram, sempre com foto nova, acompanhada de histórias ou textos de outros autores indígenas.
Um beijo e até a próxima Quarta Gloriosa!
Eu não conhecia o canal e estava procurando etnofotografias para criar uma atividade escolar para o 8º ano sobre este tema. Adorei o texto e também as fotos indicadas no link. Parabéns por mostrar a sensibilidade de um artista indígena que representa de forma tão sensível a realidade de seu povo. Adorei conhecer tanto o canal quanto o artista. Acredito que a atividade que estou propondo também vá sensibilizar meus alunos e alunas. Obrigada.