Não sou uma pessoa caracterizável como sábia. Não do meu ponto de vista
racional, cartesiano e tridimensional.
Infelizmente diante do absurdo, do crime, da impunidade, da delinquência
ambiental, não sou do tipo de colocar o rabo no meio das pernas ou como
consumo dizer, não faço o tipo do corno manso.
Escolhi ser biólogo e não estar biólogo. Não consigo aceitar a bandidagem
deitando e rolando sem fazer coisa alguma, com aquela típica cara de cachorro
que caiu da mudança, como se não tivesse o que fazer diante das
circunstancias nada favoráveis num lugar que é o terceiro país mais perigoso
no mundo para profissionais sérios que tratam de temas ambientais.
Destaco que qualquer profissional sério nesse lugar corre risco, não é uma
exclusividade de biólogos e afins, pode ser de qual profissão for que se bater
de frente com interesses políticos e ou econômicos contrários, pode ter certeza
que vai encontrar grandes problemas pessoais e profissionais. Questão de
opção.
Pois bem, dito isso, lá fui eu ciceronear de helicóptero a convite, uma equipe da
tv alemã pela zona costeira da região metropolitana do Rio de Janeiro.
Sempre acho bastante interessante esse tipo de convite de emissoras
estrangeiras, pois constato a mistura de espanto diante de tamanha beleza e
de tamanha degradação descontrolada por parte dos profissionais que vem do
exterior.
Sobrevoamos o sistema lagunar com seus rios podres, lagoas contaminadas e
praias não menos impactadas pela exportação de toda a degradação produzida
por décadas de impunidade e descaso público.
Depois visitamos a baía de Guanabara, a fábrica de milionários, depósito de
bilhões de dólares, em programas de despoluição e recuperação ambiental que
transformaram o entorno da baía num depósito de obras de saneamento
inacabadas, abandonadas subutilizadas e sucateadas, um verdadeiro oásis
para delinquentes que se beneficiam da degradação ambiental que só fez
crescer.
Constatamos os cartões postais internacionais, transformados em enormes
latrinas, bem como a porta de entrada internacional da cidade maravilhosa, a
linha vermelha, ladeada pelo pútrido canal do Fundão.
O crescimento urbano desordenado abunda por toda parte, como exemplo da
inexistência de uma política de ESTADO para a questão habitacional voltada
para as classes econômicas menos favorecidas. Cada um constrói onde quer e
como puder geralmente sem ser incomodado até que a casa desabe ou inunde
no próximo grande temporal.
O saneamento universalizado deixou de ser um problema técnico e econômico
para ser caso de polícia. Por toda parte vaza esgoto e o principal ativo
econômico e ambiental da cidade se esvai principalmente durante e após os
períodos de chuvas.
Devido ao atual período de estiagem, as águas pútridas da baía e do sistema
lagunar contrastavam com as águas cristalinas oceânicas, o que intensificava
ainda mais o grau de contaminação das águas transformadas em destino final
de milhões de metros cúbicos de esgoto e de suas consequências tais como a
produção de cianobactérias tóxicas.
Conseguimos com grande facilidade lá do alto, flagrar a vida infeliz, a sentença
de morte lenta que nossa sociedade impõem ao que restou de nossa fauna
nativa, onde jacarés vivem submersos em fezes humanas, muitas vezes se
alimentando de lixo e morrendo engasgados.
Tudo isso acontecendo na cidade que recebeu 40 bilhões de reais de recursos
públicos e privados para as Olimpíadas de 2016 onde o tema ambiental, só
serviu para enganar os brasileiros e gringos, pois de fato, praticamente
nada saiu do papel.
Chamou a atenção dos profissionais da mídia, a pouca ou nenhuma
importância dada pelos frequentadores das praias, como por exemplo, da praia
dos Amores e do Quebra-Mar na Barra da Tijuca à contaminação de suas
águas.
Tive de explicar que além do desconhecimento do perigo que correm a
sociedade de uma forma geral, não tem o tema ambiental como uma
prioridade, diante de tantas outras demandas mais imediatas sob o ponto de
vista diário, tais como saúde, educação, transporte, segurança, habitação e por
aí vai.
Quando se dão conta do tema ambiental, geralmente tal evento se dá por conta
de alguma tragédia, mas que logo em seguida será esquecida por outras
tragédias anunciadas já em linha de produção.
Fui questionado a forma de como reverter esse caos ambiental constatado lá
do alto?
Respondi que quase tudo dependeria de uma pressão da sociedade sobre a
classe política que vive dos votos e numa realidade alternativa voltada aos
seus interesses pessoais. Se a sociedade não sinalizar que o assunto meio
ambiente é importante e que por isso pode gerar ou tirar votos dessa ou
daquela candidatura, eu não vejo solução a não ser hipoteticamente por conta
de uma pressão externa como tem ocorrido no caso do bioma Amazônico que
não é o caso para o bioma da Mata Atlântica onde a região metropolitana do
Rio de Janeiro está inserida.
Sem pressão da sociedade a vontade política não acontecerá. Isso é fato,
independente das toneladas de leis ambientais existentes.
Finalmente perguntaram minha opinião sobre a atual gestão federal ao tema
ambiental?
Ora o que dizer sobre a mesma? Não quis perder muito tempo com isso.
Nunca gostei de nenhuma das gestões, pois reconheço o papel de cada um
nesse circo de horrores ambiental, onde o meu é sempre de exigir o máximo
estabelecido nas leis existentes. No entanto a atual gestão não merece
qualquer classificação, pois simplesmente não existe como uma pasta de meio
ambiente voltada para os interesses de conservação e preservação de nossos
recursos naturais. Apenas funciona eficientemente no sentido de viabilizar
interesses desse ou daquele grupo simpático ao atual governo com custos
ambientais atuais e futuros inestimáveis, típico de uma colônia de exploração
do século XXI.
Destaquei, porém que o atual quadro de degradação observado na região
metropolitana do Rio de Janeiro, não é uma responsabilidade exclusiva das
atuais gestões federais, estaduais e municipais, mas a soma de todos os erros,
impunidades e irresponsabilidades acumuladas principalmente nos últimos cem
anos e que geraram o monstro que não para de crescer e que continua sendo
alimentado diariamente, fruto de nossa cultura de usar até acabar e que
acabará nos engolindo.
Finalmente me perguntaram o motivo de não desistir dessa guerra ambiental
aparentemente perdida?
Respondi que simplesmente optei por lutar. Simplesmente assim, fruto da
orientação dada pela minha mãe e pai italianos diante de qualquer inimigo, seja
ele qual for.
Despedimo-nos e fui para casa, deprimido, diante de 25 anos sobrevoando a
região, denunciando e alertando, com algumas vitórias no varejo e inúmeras
derrotas no atacado.
De qualquer forma, missão dada é missão cumprida, seja ela qual for.