Respira. Isso. Lembre-se de puxar todo o ar e soltar, por você.
Lembrar de respirar tem sido um exercício constante nos últimos meses. A ação involuntária que passa despercebida parece que tomou um outro sentido em tempo em que o ar rarefeito tomou conta do país. Hoje, respirar é lembrar que estou viva. Lembrar pelo o que que continuo viva e o que ainda desejo fazer pelos meus e pelo mundo. Quanto de amor tenho dado? Quanto de escuta atenta e dedicada tenho disposto aos outros? Tenho recebido o que acho justo pra mim?
Em janeiro desse ano fiz uma viagem para Chapada Diamantina. Foram quase quinze dias de verde, cachoeira, rio, natureza e paz. No quarto dia de viagem, 24 de janeiro, eu e meus amigos perdemos o controle do carro. Capotamos duas vezes, em uma estrada bonita, com o Morro do Pai Inácio de vista. Enquanto girávamos, ficávamos de cabeça pra baixo e voltávamos, fiquei de olhos abertos. Acredito que tenham sido um pouco mais de alguns segundos. Talvez um minuto, no máximo. Mas consegui elaborar alguns pensamentos, envoltos pelo medo e desespero: “vou morrer. Já era, não tem jeito.”, “eu não posso morrer, eu tenho muita coisa pra fazer da vida ainda. Como morrer logo agora, em um momento tão
especial?”, “meu deus, minha mãe e meu pai. Não posso morrer”. BUM! O carro parou de girar. Ficou de pé. Estava viva. Sem dor. Sem cortes. Assim como meus amigos. Sentia o sangue pulsar. E respirava.
Desse episódio para hoje, quase um mês depois, admito ainda não ter digerido uma experiência de quase morte muito mal sucedida. Mas tenho a certeza de que viver, por mais duro que possa ser, é bom. E que o Universo, Xangô e meus anjos da guarda estão comigo e me dão, diariamente, chance de viver, respirar e transformar. De 2019 pra cá, as coisas ficaram mais turvas, os afetos questionados, o limite do respeito ultrapassado e o Brasil foi jogado num turbilhão de loucura, ódio e mediocridade. Me vi impotente, fraca, com receio do futuro. Todos os dias ao ler notícias, um soco no estômago, um embrulho na garganta.
Questionei meu ativismo, o alcance do que acredito e meu poder de transformação. Mas viver sendo mulher, jovem, negra é precisar sempre, desde sempre, lembrar de buscar fôlego e respirar. Hoje, acredito que viver, ser, dialogar e traçar pontes é poderoso mais do que eu imaginei. Em um cenário autoritário como o que vivemos hoje, estar com os nossos traçando um laço de afeto e manter sempre no horizonte a necessidade de estar vivo é resistir.
Espero que esse canal aberto hoje, com esse texto, faça parte da necessária rede de amor e resistência. Estar junto e respirar são umas das coisas que ainda podem salvar o país.
Vamos juntos.
Mariana Moreira
Jornalista de formação, encontrou sentido no audiovisual. Escreve sobre o que dá na mente e no coração.