Solidão compartilhada, solidão self [in]suficiente
Arte & Cultura

Solidão compartilhada, solidão self [in]suficiente

Solidão compartilhada, solidão self [in]suficiente

Semana passada resolvi deletar temporariamente meus perfis no Facebook e no Instagram. Do primeiro nem sinto tanta saudade, mas o segundo consegui fazer um detox de menos de doze horas e voltei. Pensei: “preciso de alguma maneira estar conectado e vendo e compartilhando imagens, acontecimentos, memórias, presentes seja lá o que for e tal e coisa. Particularmente senti falta do Stories, de compartilhar histórias instantâneas que duram apenas 24 horas e desaparecem. Efêmeras, do ephémeros, que significa ‘apenas por um dia’, passageiro, transitório. E fiquei dias a pensar sobre esse novíssimo zeitgeist que assola a milhões de pessoas pelo mundo por intermédio das redes sociais.

Mídias sociais são como grandes divãs abertos nos quais uma multidão deita suas solidões, sua alegrias, todo seu mel e seu fel. Onde a fascinação pelo momentâneo versus o contínuo impera, beirando quase o vício pela constante exposição de si e o voyeurismo em relação aos outros. São os outros que servem de parâmetro para as nossas ações, nossos acontecimentos. E diante disso uma nova lógica comportamental surge. Proustianamente estamos em busca não mais do tempo, mas do presente perdido.

Produtores de narrativas

Para Eugênio Trivinho, professor do Programa de Estudos Pós-Graduados em Comunicação e Semiótica e Assessor de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), nunca vivemos em um período em que seja tão necessário sermos velozes. O próprio termo cunhado por ele, a dromocracia cibercultural, carrega o que ele acredita serem as prerrogativas da sociedade atual: a velocidade e a cibercultura. Ele diz que a velocidade é a mais implacável forma de violência, e afirma: “a velocidade não é, portanto, um simples acontecimento. Ela é, pelo contrário, o que caracteriza a própria presentidade: tempo irreversível da imediatez”.

Somos produtores de imagens e narrativas que, por si só, estão fadadas apenas ao desaparecimento. Um dos meus filósofos prediletos, Jean Baudrillard, já dizia décadas atrás que estamos criando uma cultura de imagens, de coisas efêmeras, transparentes e que desaparecem. Não pretendo fazer aqui uma mea culpa. Até porque gosto muitíssimo do Insta e de seus stories. Penso que é o novo lago onde Narciso não mais se debruça, ele só passa rapidamente seus dedos na tela do celular enquanto desce ou sobe o scroll para se ver e ver os outros. É um novo ambiente, virtual, que coexiste com o físico, atravessando ambos as subjetividades de cada um. Nesse território digital ninguém é desterritorializado. Cada um cabe em seu metro, em seus centímetros. Constrói suas narrativas próprias, criam em sua maioria histórias sem história, sem passado e futuro, apenas o presente, o hic et nunc.

Nessa transferência daquilo que há no real para o virtual, a efemeridade se instaurou de vez. A memória é registrada para depois se tornar inacessível e onde a solidão se torna acessível. Narcisos solitários. Solidão compartilhada, indoor, online, interativa, pixelizada. Vivemos tempos de solidão ilha, arquipélago. Solidão solitária, deserto e oásis. Solidão bêbada, zen, politizada, gourmetizada. A solidão é multidão, é coletiva, é matilha, veloz e voraz, narcisa. Solidão portátil, postada. Solidão self [in]suficiente.

 

 

 

 

 

 


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