Edgar Morin, 100 anos
Edgar Morin, pseudônimo de Edgar Nahoum, nasceu em 1921, em Paris. Ele completou 100 anos no mês passado e é considerado um dos principais pensadores contemporâneos. Doutor honoris causa em universidades de vários países, é formado em Direito, História e Geografia na Sorbonne, e também realizou estudos em Filosofia, Sociologia e Epistemologia. Autor de mais de 60 livros, pesquisador emérito do importante CNRS (Centre National de la Recherche Scientifique), em sua longa existência, Morin acompanhou e vivenciou mudanças profundas que ocorreram nas últimas décadas do século 20 no mundo. Desde quando durante a 2a Guerra Mundial participou da Resistência Francesa contra a ocupação nazista, passando pela Guerra Fria e pelo avanço da tecnologia de informação, que age no mundo globalizado como um tsunami, até o fim da polarização ideológica entre capitalismo e comunismo.
Lembrei dele, além do centenário em si e de sua importância no mundo das ideias, porque Morin é um dos principais teóricos do campo de estudos da complexidade. E nada está mais complexo do que cenário nacional e mundial atravessado por um evento macro como a pandemia, mas que também vive outros, “micros”, localizados, mas que reverberam política e socialmente em todo o mundo, como o que acontece agora no Afeganistão. Por isso, pensar, conhecer Morin é necessário. Ele percebeu há muito tempo que a maior urgência no campo das ideias não é rever doutrinas e métodos, mas criar uma nova concepção do próprio conhecimento sugerindo uma reforma de paradigmas, questionando o ensino puramente pautado em conteúdos técnicos e disciplinares. No lugar da especialização, da simplificação e da fragmentação de saberes, Morin propõe o conceito de complexidade. E mais além, da transdisciplinaridade, da qual já falava em 1994, quase 30 anos atrás.
O método
Em “O Método”, sua principal obra, escrita durante mais de três décadas e composta de seis volumes, ele toma a palavra em seu sentido etimológico latino, “aquilo é que tecido em conjunto”. Para ele o pensamento complexo tem como fundamento formulações que evidenciam a necessidade de superar as fronteiras entre as disciplinas explicando como cada conteúdo está [inter]ligado a outro, não havendo uma fragmentação que age como se a biologia não estivesse conectada com a história ou a geografia com a matemática e as linguagens. Acima de tudo, Morin defende a introdução da incerteza e da falibilidade na rigidez cultural do Ocidente, a sua transdisciplinaridade inerente. Para um dos últimos grandes intelectuais da época de ouro do pensamento francês do século 20, as ideias nascem não só no campo das ciências exatas e naturais, como também nas teorias da informação e dos sistemas, da cibernética, da inteligência artificial etc. E também de fatores humanos como o desejo, a paixão e o medo.
Amar, chorar, compreender, rir.
Em um dos seus diários, “Chorar, Amar, Rir, Compreender”, de 2012, com uma capa linda com a reprodução de uma obra do artista italiano Lucio Fontana, ele escreve: “as anotações se sucedem umas após as outras, não por incapacidade de tornar minha existência coerente, mas justamente para deixar evidente suas descontinuidades”. Morin quer “sublinhar os pequenos nadas”. Ele não procura ocultar a banalidade da vida, da sua vida, ao contrário; os aspectos triviais são tão importantes quanto os essenciais ou “complexos”. Do micro-acontecimento pessoal à guerra da Bósnia.
Penso em Morin como o Montaigne do século 20, com o simples prazer de pensar, anotar e [d]escrever o mundo, a realidade e suas subjetividades. Danilo Santos de Miranda, diretor do Sesc/SP, seu amigo desde a década de 1990, e que o abrigou em diversas ocasiões em unidades da instituição que dirige em colóquios, palestras e cursos sobre o pensador francês, diz que ele é mais que um vidente. Eu também acredito. E reforça na introdução de um dos seus diários lançados no país pela editora do Sesc, que o campo de estudo e pesquisa de Morin, seu campo de ação, a “complexidade”, sempre nos apresenta como algo refratário, porque afinal de contas, “ser complexo é ser trabalhoso”, e completa, “talvez ser complexo seja ser livre”. Morin nos lembra que é fundamental elucidar para nós mesmos o que é importante e secundário, driblar o pensamento linear, o cotidiano e suas banalidades e quiçá, apreender suas pequenas epifanias. A complexidade da vida parece fazer parte da ordem natural das coisas.
Que texto lindo. Não sou uma pessoa de grandes culturas, mas, leio um pouco e sou curiosa de vez em quando. Me deparei com essa leitura gostosa e falando de uma pessoa que eu nunca ouvi falar… palavras tão fortes e tão lindas de um ser humano de 100 anos, traduzidas de forma poética pelo Jurandy (que eu também não conhecia). Agora, estou estimulada a conhecer os dois e sorrir mais, diante de palavras tão verdadeiras.