Eu escolho a vida, a livre criação, o diálogo, os livros e o amor. Eu escolho a esperança.
O artigo de hoje não começou a ser pensado como uma declaração de voto. Na verdade, esse ímpeto surgiu enquanto pesquisava dados sobre o tema que gostaria de tratar aqui: a grilagem e desmatamento da Amazônia. Mas, a medida que os dados me apontavam para um estado urgente sobre o tema, mais vinha um sentimento de que, nessa semana, meu texto não poderia apenas apresentar números e porcentagens, como se essas questões não fossem conectadas diretamente com o projeto de país que queremos. Mas, mais do que isso: sobre o que NÃO queremos.
A grilagem é uma prática criminosa que significa, em seu cerne, a invasão, ocupação, o loteamento e a obtenção da propriedade de terras de forma ilícita. Segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e DETER, que monitora o desmatamento em tempo real, em abril de 2022 batemos recordes de desmatamento. O Amazonas é o estado com maior número de alertas, concentrando 34% de área desmatada. Para além da reivindicação criminosa da propriedade de terras, em geral, públicas não destinadas, esse tipo de ação tem como objetivo os usos das terras para pastagem e para a monocultura.
A questão do desmatamento não é nova como preocupação do país, nem como denúncia realizada pelos povos indígenas, quilombolas e ribeirinhos. Mas, nos últimos quatro anos, nunca vimos um governo ser tão passivo em relação a grilagem, e até mesmo incentivador dessa prática. O INCRA foi desmantelado e enfraquecido, deixando as populações indígenas em situação vulnerável como há muito não víamos. Estamos em guerra interna: no campo, numa disputa entre os que defendem seu habitat e modos de vida, e são guardiões da Terra para que todos continuemos vivos, e os que acham que Terra é recurso infinito de exploração e, portanto, a vê como dinheiro; na cidade, vivenciamos uma guerra contra comunidades e territórios periféricos mascarada de guerra às drogas, que tem militarizado as vidas das pessoas, além de corrompido cada vez mais o Estado e a Democracia. A gente precisa dar um basta para tudo isso. E a gente começa esse “basta” com um posicionamento.
Para se posicionar é preciso coragem. Mas não é o que vida espera de nós, como nos alertou Guimarães Rosa? A coragem pode ser movida pelo sentido da esperança freiriana, no sentido de projeção e mobilização para a construção de um futuro que, como disse o intelectual Silvio Almeida, em ato que participei, ainda não existe. No sentido de construção de uma realidade ainda não vivida, de uma democracia radicalizada em garantia de direitos e participação.
Essa eleição é a mais importante da história da nossa democracia. Nunca regredimos tanto do ponto de vista político, cultural, econômico e social como agora. A intolerância e o negacionismo nos fizeram perder cerca de 700.000 vidas para uma pandemia que, se em um primeiro momento nos pegou de surpresa, em um segundo momento poderia ter sido melhor combatida, caso não tivéssemos a inação como ação política. Genocídio é o que vivemos. Ameaça a vida e ao diferente. Ampliação das desigualdades é o que vivemos.
Se posicionar, portanto, não é pensar que no dia 01 de janeiro de 2023 a vida estará perfeita. Não será sobre flores, sobre uma transformação radical. Mas será sobre reestabelecer parâmetros de convívio democrático, em que eu não tenha medo de escrever e falar sobre determinados temas e questões porque poderei ser perseguida por uma orda teleguiada por um governo que não aceita a divergência e o diferente. Se posicionar é sobre reestabelecer governos que entendam que as desigualdades devem ser combatidas e a diversidade é o nosso maior fator de riqueza.
Não há como defender a Amazônia e não se posicionar contra o que vivemos nos últimos quatro anos. Se posicionar é sobre garantir que nós possamos lutar por esse porvir desejado, permeado de equidade, justiça social e celebração da multiculturalidade que constitui o que nós, brasileiros, somos. Se posicionar no dia 02 de outubro é sobre estabelecer um ambiente em que eu saiba que há um governo que, ao menos, ouvirá as denúncias, propostas e buscará dialogar com o movimento negro, com os povos indígenas e quilombolas, que compreenderá que a sobrevivência de todos nós está diretamente conectada a existência da vida amazônica. É sim se posicionar diante de um confronto entre morte e vida, entre censura e livre criação, entre silêncio e diálogo, entre armas e livros, entre ódio e amor. Eu escolho a vida, a livre criação, o diálogo, os livros e o amor. Eu escolho a esperança.
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