O que você conhece do Rio de Janeiro? E qual a impressão que você, que não é carioca, tem da Cidade Maravilhosa através do que vê nos meios de comunicação? A quantidade de turistas que chega à cidade acreditando que o Rio de Janeiro é composto apenas pelas belas praias da Zona Sul já não surpreende, além daqueles que associam o Rio a morros sem vida, como se na favela não morassem trabalhadores. Mas é justamente contra essas ideias deturpadas que o carioca Cosme Felippsen, nascido e criado no morro da Providência, criou o Rolé dos Favelados, um projeto de guiamento sociocultural que vai muito além de uma turnê pelas vielas: “O Rolé dos Favelados é uma soma de um pouco de turismo com muita informação de militância e luta”.
Já há no Rio de Janeiro diversas empresas que proporcionam visitas às comunidades, mas este tipo de turismo muitas vezes trata do ambiente das favelas como algo exótico. É o que Cosme chama de turismo predatório, quando agências e guias que não conhecem a realidade do morro se aproveitam destes espaços, e da curiosidade dos turistas, para lucrar e pouco contribuir. O Rolé dos Favelados tem uma proposta extremamente oposta: combater o turismo predatório e contar a história e resistência dos territórios. A começar pelos guias, sempre pessoas comuns que vivem nos morros.
“Me intitulo favelado porque moro na favela. E favelado pra mim é o morador, não uma condição de caráter ou personalidade.”
Outro diferencial importante é que além ser moradores dos morros, os guias atuam sempre em dupla: uma mulher e um homem. Ele próprio defende a importância do simbolismo dessa decisão: “”para não ter só homem falando”.
O início do Rolé dos Favelados
A história de Cosme com o guiamento começou desde muito cedo. Em 1997, aos 8 anos de idade, teve sua primeira experiência quando um casal de estrangeiros pediu que ele, ainda garoto, os levassem para conhecer algumas vias do morro. Era comemoração do centenário do Morro da Providência. Seu primeiro pagamento foi um picolé.
Esta memória se multiplicou ao longo da adolescência, quando Cosme frequentava a Igreja Metodista da Gamboa. À época, Cosme guiava os missionários vindos da Europa e Estados Unidos que desejavam conhecer o morro. Mas mais do que visitar, o importante desde trabalho enquanto guia é poder proporcionar uma outra visão às pessoas que conhecem o morro pela primeira vez. Interagir com esses turistas é uma forma de contar o que nem sempre é contado. E esta proposição é o que fundamenta sua militância, que assim como o guiamento surgiu desde muito cedo em sua vida:
“Desde criança, a gente que nasce pobre, preto e favelado já tem uma vida de militância independente de conhecer a luta de classes, independente de conhecer essas opressões na literatura ou na academia. Na realidade a gente conhece mesmo na prática.”
Rolé e cultura
Para além do guiamento, Cosme se viu militante ao se envolver com diversas organizações ao longo de sua juventude. Em 2011 atuou na comissão dos moradores da Providência para impedir a remoção de 80% dos moradores do Morro. Juntos, impediram a destruição de 832 com uma liminar. Esta sua bagagem cultural, da qual tem propriedade e vivencia, constrói a importância do Rolé dos Favelados: “A gente usa do território, do espaço físico, como um cenário. É uma interação. Em um momento do guiamento a gente pergunta pra todo mundo: o que é favela?”
Cosme relaciona o Rolé como uma aula a céu aberto. Ao longo do guiamento, discute-se tudo: cultura, saneamento básico, segurança pública, direito à favela, direito à cidade, direitos humanos… Propor a reflexão e um novo olhar é o que diferencia este projeto, que ao longo dos anos acumula reconhecimento: “hoje em dia temos já TCC, Mestrado e Doutorado falando do Rolé. E pra mim ele não é um guiamento turístico”. Por seu trabalho, em 2016 Cosme participou do projeto Histórias Vivas, da jornalista Gizele Martins. Cosme foi o responsável por aulas de moradia, remoção e ocupação.
Desde quando começou o guiamento, lá na infância, Cosme não tem um número exato de quantas pessoas já visitaram o morro em sua companhia. Acredita que já tenha ultrapassado os 1.500. Mas pontua que este trabalho não é feito só por ele. O Rolé dos Favelados é uma parceria de amigos, já que não recebem estímulo financeiro ou apoio de qualquer instituição. Destes 1.500, acredita que pelo menos 500 já foram guiados pelo projeto do Rolé. Apesar da falta de apoio, não perde sua motivação: “Talvez esse número seja muito ou pouco, mas essas 500 pessoas, eu tenho certeza, não veem mais a favela somente da forma que a mídia fala, que o governo fala, que a sociedade fala. Eles viram, eles ouviram, eles andaram. Eles sentiram a favela, pelo menos uma parcela, eliminando certos preconceitos.”
O próximo Rolé ocorre neste domingo (11), às 11h. O ponto de encontro é o Mc Donald’s da Central do Brasil. Fique por dentro através da página do Providência Turismo.