Ao contrário do que muita gente possa pensar, o cordel não nasceu no Nordeste do Brasil, mas sim em Portugal, nos séculos 12 e 13, por intermédio dos trovadores medievais; embora o estilo, de certa maneira, já existia no período dos povos greco-romanos, dos fenícios, cartagineses e saxões. Naquela época, em Portugal e na maioria dos países, e ainda por muito tempo depois, a população não era letrada, e o papel dos trovadores era cantar poemas que relatam histórias que perpetuavam a tradição oral. Mas nos séculos seguintes, com o surgimento da Renascença, foi criada a impressão e as palavras, antes apenas orais, passaram a ter materialidade no papel. E o cordel se popularizou entre as pessoas, ainda mais pelo método de exposição deles; papéis pendurados em cordas, os cordéis, como são chamadas em Portugal.
Repentes, violas e xilogravuras
Fundamental para a preservação e divulgação do imaginário folclórico e popular, dos costumes locais, o cordel literalmente aportou no Brasil por meio dos colonizadores, principalmente no Nordeste brasileiro. Mais precisamente na capital brasileira à época, Salvador. Com linguagem simples, eles ecoaram pelo país por meio dos nossos trovadores, os repentistas que, com suas violas, cantavam as histórias escritas pelos poetas do cordel fortalecendo as identidades regionais, trazendo importantes contribuições da cultura africana, indígena, árabe e europeia. Gênero literário popular, a literatura de cordel, além de ser uma ferramenta de comunicação, tornou-se um trabalho garantindo uma fonte de renda para muitos cordelistas e suas famílias.
Ele tinha um atrativo a mais, uma visualidade que encantava a todos, suas xilogravuras que ilustram as narrativas. A técnica originária das artes visuais era uma facilitadora incrível para o incentivo à leitura, ajudando na diminuição de analfabetismo nesses locais, visto que usava uma matriz de madeira talhada, desenhada, pela qual era possível imprimir o desenho inúmeras vezes. E seu marco no Brasil, segundo historiadores, data de 1893, quando o paraibano Leandro Gomes de Barros teria publicado os primeiros versos em folhetos, os “folhetos de cordel”, vendidos a um custo muito barato, praticamente de mão em mão. Com seus três elementos essenciais, que fazem a musicalidade de seus versos, a poesia cordelista reúne a métrica, a rima e a oração, a verbalização oral que, de certa maneira, em muitos casos, é como uma oração religiosa.
Vale lembrar que no dia 1º de agosto comemora-se o Dia Nacional do Cordel, gênero literário que recebeu o título de Patrimônio Cultural Imaterial Brasileiro em 2018.
Mulheres no cordel
Mas embora a literatura de cordel seja mais conhecida pelos cordelistas, por homens como o Gomes de Barro, cujos cordéis – inclusive – foram a base da icônica peça “Auto da Compadecida”, do também paraibano Ariano Suassuna, ou mesmo do inesquecível cearense Patativa do Assaré, existem mulheres cordelistas. Para se ter uma ideia, até a década de 1970 elas eram invisibilizadas. Imagine décadas e décadas de domínio patriarcal, cujo modelo mais notório tinha como exemplo as fazendas de engenho de açúcar do Nordeste brasileiro, em uma sociedade que no início do século 20 não dispunha de muitos meios de comunicação, o cordel se multiplicou por vários Estados da região por meio dos homens cordelistas. Recentemente, em 2020, a sergipana Izabel Nascimento apontou em uma palestra na Paraíba o forte traço machista no cordel que não reconhece e nem respeita o papel de protagonista da mulher cordelista.
Mas os tempos apontam para um outro momento no qual existe atualmente, por exemplo, um grupo denominado Movimento das Mulheres Cordelistas Contra o Machismo, que conta com o apoio de mais de 70 coletivos de todo o país. E nos últimos anos, por intermédio de temáticas variadas e diversas formas de atuação, poetas cordelistas têm quebrado barreiras nesse terreno notoriamente masculino.
Existem mulheres que merecem destaque no cenário nacional como a pernambucana Paola Tôrres, que é a primeira mulher em mais de 30 anos a ocupar o cargo de presidente da Academia Brasileira de Literatura de Cordel (ABLC). Ou a cearense Jarid Arraes, um dos mais importantes nomes da literatura brasileira contemporânea, que assina mais de 70 títulos de cordéis relacionados às questões sociais e ao protagonismo negro e feminino. Aliás, o Estado do Ceará domina a cena. É de lá também a indígena Auritha Tabajara, que escreveu seu primeiro cordel aos nove anos de idade, e Julie Oliveira que fundou o coletivo e selo editorial Cordel de Mulher, e que tem como pai o cordelista Rouxinol do Rinaré. Por fim, não podemos deixar de citar a sergipana Izabel Nascimento, também pedagoga e radialista. Todas usando da matriz popular para [re]criar uma nova cartografia cordelista, afetiva e histórica.