Novembro Negro chegou. Vamos falar sobre os bilionários?
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Novembro Negro chegou. Vamos falar sobre os bilionários?

Novembro Negro chegou. Vamos falar sobre os bilionários?

Para fazer um bilionário, é preciso de milhões tenham suas vidas precarizadas.

E chegamos no mês de novembro. Há cerca de 20 meses que vivemos e somos impactados pela pandemia da covid-19, e a maneira como nos relacionamos mudou muito. Em meio a pandemia, muitas coisas ficaram mais evidentes. Enquanto alguns achavam que a pandemia inspiraria o melhor de nós, e sairíamos dessa com a humanidade quase que restaurada por valores como solidariedade, igualdade, justiça social, o que vimos não foi bem esse conto de fadas. 

Segundo o ranking da Forbes, os bilionários ficaram US$5 trilhões mais ricos na pandemia. O grupo seleto é composto por 2.755 pessoas e concentra mais de US$13,1 trilhões. Só na pandemia, contando a partir de março de 2020, foram 493 novos bilionários. Enquanto isso, vemos diversos grupos populacionais, em muitos países, enfrentando os efeitos da crise econômica, reflexo da pandemia. 

Na América Latina e Caribe, região com os maiores fossos desiguais do mundo, o número de bilionários aumentou 40%. No começo de 2020, 76 latino-americanos marcavam presença entre os bilionários. Em meados de maio de 2021, esse número havia saltado para 107 pessoas, em um montante de US$448 bilhões. Segundo o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), cerca de 70% dos bilionários latino-americanos são brasileiros ou mexicanos. 

Esse é um panorama necessário para falarmos sobre a importância desse novembro, conhecido no Brasil como “novembro negro”, por conta dos debates em torno da temática racial serem mais reforçados, já que mês do Dia da Consciência Negra. Ou seja, se estávamos anunciando uma saída melhor dessa crise sindêmica (que envolve aspectos de saúde e sociais), o que percebemos foi um cenário de maior concentração de renda. Em que poucos ganharam muito. Para fazer um bilionário, é preciso de milhões tenham suas vidas precarizadas. O Banco Mundial, por exemplo, projetou um aumento de 24% para 27, 6% da extrema pobreza. No Brasil, 116 milhões de pessoas não se alimentaram como deveriam, segundo pesquisa da Rede Penssan. 

Para ser antirracista é preciso lutar contra as desigualdades de maneira sistêmica. Quando analisamos o perfil entre os mais pobres e os mais ricos no Brasil, fica evidente porque falar sobre aumento de concentração de renda, por um lado; e a necessária redistribuição de riqueza por outro é tão importante e intersecciona racismo e produção de desigualdades: entre os mais pobres, segundo a pesquisa já mencionada da Rede Penssan, estão mulheres negras, periféricas e com baixa escolaridade; ao passo que entre os bilionários estão homens brancos, em mais de 80%, com idade média de 63 anos e, por incrível que pareça, nem todos com ensino universitário (65%). Ou seja, estamos falando de uma concentração de renda, que é um instrumento para reforçar e reproduzir desigualdades sociais e políticas, explicitando que estes são debates indissociados.

Assim, quando falamos de um novembro negro e da necessidade da luta antirracista, estamos falando, justamente, sobre os valores que gostaríamos que estivessem fortalecidos em um momento que o mundo passa a reabrir e a vacinação avança: justiça social, igualdade e equidade, solidariedade (que passa ao largo de caridade, mas de fortalecer e promover o bem-estar do outro com dignidade e autonomia). Por isso, eu te convido a, não apenas no novembro negro, mas todo tempo, não ter medo.

E por que falo de medo? Muitos intelectuais já teorizaram sobre o “medo branco”, um mecanismo que aciona o afastamento de “verdades desagradáveis”, em que se tem medo que ideias sejam confrontadas, bem como em olhar para si e se perceber parte de um sistema de privilégios. Essa negativa de lidar com questões fundamentais ocorre porque causam ansiedade, culpa e vergonha. Mas já passou da hora de lidarmos com isso. Falar em bem-estar, em uma outra sociedade, pressupõe que repensemos nossa atuação, nosso modo de viver para que todos compartilhemos dessa perspectiva positiva. 

Ao se perceber e reconhecer racializado nesse sistema, de que há uma posição ocupada nas hierarquias sociais, é que se é capaz de realizar consciência sobre seu papel, em que se é possível desenvolver a capacidade de ouvir, já que um ato que demanda o reconhecimento do outro como sujeito que existe e que age, que também produz conhecimento e que é potencial construtor conjunto de transformações. Para a gente construir essa sociedade sem fome, em que todos tenham o básico para a vida com dignidade e bem-estar, não podemos compactuar com a dinâmica atual de novos bilionários, como se entrar em um grupo seleto fosse um ganho, quando milhões vivem em insegurança. Não é sobre aumentar bilionários, mas sobre compartilhar as riquezas produzidas no planeta. É no compartilhamento que está a nossa saída, a nossa sobrevivência.