No Dia do Cinema Brasileiro, Nise – O Coração da Loucura é o exemplo da capacidade do estúdios brasileiros produzirem filmes de impacto, relevância social e brilhantismo artístico. Nise, lançado em 2016 e direção assinada por Roberto Berliner, é um exemplo de tudo isso. A obra reúne a técnica refinada pelo diretor, a atuação impactante de Gloria Pires no papel principal e a profunda sensibilidade da história que retrata: a vida de Nise da Silveira, um dos principais nomes da medicina brasileira, que revolucionou a psiquiatria nacional ao evidenciar o humano em meio a uma medicina que não abraçava o diferente.
Nise nasceu no Maceió em 1905, e 1931 formava-se na Faculdade de Medicina da Bahia, a mais antiga faculdade da área no país e hoje parte da Universidade Federal da Bahia. Nela, Nise concluiu os estudos como a única mulher dentre 157 homens. Interessada pela área da psiquiatria, especializou-se na área mas radicalmente contrária às técnicas tradicionais de sua época, que incluíam eletrochoque, confinamento e lobotomia (uma cirurgia cerebral) no tratamento de pessoas em quadros de sofrimentos mentais. Pelo contrário: Nise defendia a inclusão, interação e tratamentos envolvendo arte e o contato com animais.
Nas telas, a luta de Nise através da atuação de Gloria garantiu ao longa o prêmio de Melhor Atriz no Festival de Tóquio de 2015. No festival japonês, assim como no Festival do Rio de 2015, recebeu o prêmio de Melhor Filme, sendo o segundo pelo júri popular. Os prêmios são o resultado de um esforço anterior. Para dirigir a obra, Berliner estudou a vida de Nise por 13 anos, desde 2003, sob influência de Bernardo Horta, irmão do diretor de fotografia André Horta, que havia frequentado grupo de estudos na casa de Nise e encontrou diversos manuscritos sobre sua vida e atuação.
Sobre o longa Nise
O longa retrata o trabalho de Nise principalmente após esta iniciar em 1944 seu trabalho no Centro Psiquiátrico Nacional Pedro II, no Engenho de Dentro; zona norte do Rio de Janeiro. À época, Nise retornara de um exílio após ser presa por envolvimento com ideais comunistas durante a Revolta Vermelha de 35, contra o governo de Getúlio Vargas. Quando reintegrada ao serviço público, retomou sua luta contra os tratamentos agressivos. Encontrou bastante resistência no Centro Psiquiátrico de Engenho de Dentro, e foi transferida para a Ala de Terapia Ocupacional como forma de punição por suas discordâncias. Foi nesta nova seção que desenvolveu trabalho em conjunto com Dona Ivone Lara, como contamos aqui.
Subestimada, Nise passou a aplicar na Terapia Ocupacional, ao invés dos serviços de limpeza desenvolvidos na época, diversas inclusões de arte. Criou um ateliê onde os pacientes poderiam pintar, esculpir e se desenvolver criativamente. Esta atitude pioneira revolucionou amplamente os parâmetros da psiquiatria nacional, possibilitando ao paciente traduzir a realidade através de suas expressões pessoais com a arte. Uma mulher à frente de seu tempo, “Nise da Silveira é um daqueles personagens que faz o mundo avançar em todos os sentidos”, como pontua Berliner.
Filmes como este nos fazem refletir sobre as potencialidades da arte e do Cinema Brasileiro, em contribuir com pautas tão importantes e histórias que merecem ser contadas. Nise da Silveira foi uma mulher extremamente forte, e através da sensibilidade de Gloria Pires sua mensagem chegou àqueles que foram às salas de cinema e talvez jamais haviam tido contato com a história da psiquiatria brasileira. O cinema tem a possibilidade de valorizar e eternizar histórias de pessoas e momentos que foram de suma importância para a sociedade que seguimos em busca hoje, mais diversa e acolhedora. E filmes como Nise – O Coração da Loucura contribuem para o valor e amor pelo cinema brasileiro.