Por que comprar algo? O que comprar? Como comprar? De quem comprar? Como usar? E como descartar? Essas são as perguntas balizadoras para um consumo consciente.
Por algum tempo, quando ouvi falar em “consumo consciente”, pensei que havia encontrado a chave para a solução dos problemas da humanidade. Nesse período, acreditava piamente que se todo mundo fizesse um bocadinho só, conseguiríamos dar conta de muitos dos problemas que vislumbramos e que já vivemos. Mas o dito popular já versava: ledo engano.
Como já escrevi por aqui, enquanto fazemos um esforço hercúleo para reduzir o consumo de água e luz em nossas casas, a indústria e a pecuária são as principais responsáveis pelo consumo desenfreado e predatório de um dos nossos recursos naturais mais importantes: a água. Além do desperdício de água tratada pela falta de investimentos públicos no setor. Enquanto fazemos a ação de amor de reciclar e separar o lixo, as prefeituras não investem devidamente na coleta seletiva massiva na cidade. Ou seja, nós separamos e o caminhão de lixo junta tudo de novo. Os bairros de alcance da coleta seletiva são insuficientes, a despeito do discurso das autoridades de que isso ocorra em toda a cidade, como é o caso de São Paulo. Até maio de 2021, eu morava na periferia de São Paulo e nunca vi um caminhão de coleta seletiva. Mas faço justiça: o carro da coleta de óleo de cozinha sempre se fez presente. O que quero dizer com isso é que por mais que eu e minha família nos esforcemos, é preciso uma ação mais contundente e estrutural para lidarmos com a questão ambiental.
A ideia hegemônica é a de que podemos ecologizar o capital, como se o modelo de desenvolvimento existente pudesse se compatibilizar à preservação. Mas será que pode? É inegável que há um aumento da consciência individual das pessoas sobre a temática ambiental. Todos sabemos que há um problema sobre o lixo produzido: além do aumento, o descarte desse lixo. Todos sabemos que há problemas sobre contaminação de água e solo; que nossas reservas de água potável estão diminuindo; que há aumento do desmatamento; redução da biodiversidade; etc, etc. Os impactos já são sentidos: tempo seco, poucas chuvas (e, quando ocorrem, são torrenciais), aumento de problemas respiratórios, diminuição dos índices nos reservatórios de água, super aquecimento, uma noção de que as estações do ano são apenas uma expressão e maneira de organizarmos o ano. Os impactos estão aí.
Daí, então, diante da angústia de ver tudo isso acontecendo e pouco mudando, que acabamos decidindo tomar rédeas e a repensar nossos hábitos. Como já disse em outra coluna: concordo que é preciso agir localmente. Mas não acredito, realmente, que nossas ações individuais, sem estarem conectadas a uma discussão coletiva e ação comunitária, trarão os resultados pretendidos. E então, pensamos sobre os nossos padrões de consumo.
Por que comprar algo? O que comprar? Como comprar? De quem comprar? Como usar? E como descartar? Essas são as perguntas balizadoras para um consumo consciente. Essa ideia de consumo consciente pretende uma mediação na relação sociedade e natureza. Ou seja, fazer com que haja reflexão no ato de consumir e que o objetivo a ser perseguido nessa reflexão seja o de não pensar apenas nas necessidades individuais, mas pensar nos impactos de nossas ações ao ambiente e, em consequência, à nossa comunidade. Apesar do termo ser muito propalado, o consumo vem aumentando ano a ano. Isso acontece porque é preciso questionarmos o modelo de produção. Esse modelo de desenvolvimento capitalista precisa da expansão, do aumento do consumo, além de ser extremamente predatório. Assim, esse é um modelo que incentiva o consumo, cria uma sociedade de desejantes, de consumidores que precisam de novidades todo tempo e incansavelmente. Um modelo de produção que subverte a felicidade de ser para a felicidade de ter. E de uma obtenção de algo em uma escala infinita – mesmo que a atualização do novo celular do momento seja apenas mais alguns pixels na câmera, sendo que a pessoa sequer precisa de fotos profissionais. E sequer falamos da “obsolescência programada”, quando compramos produtos que já estão programados para funcionar até um determinado período, nos obrigando a comprar novos produtos, mesmo que estes tenham poucos anos de uso.
Então, como achar possível que uma ação individual por si só, sem uma articulação comunitária, de ação em rede, seja capaz de lutar contra uma operação sistêmica e estrutural? Veja, eu não estou aqui falando para descartarmos a proposta do consumo consciente. Mas estou falando de darmos um salto de qualidade em como exercemos esse consumo consciente e em como propalamos a ideia. Quando pensamos em cadeias e redes como as formadas pela Bemglo, estamos buscando dar um passo além da ação individual: pensar a produção, o modelo dessa produção, o retorno aos produtores, a maneira como consumimos esse produto, as matérias utilizadas para a sua feitura e sua extração, o retorno ambiental, peças e produtos duradouros e com menor impacto, redes de colaboração. É um primeiro passo. Fundamental. E precisamos de mais. Precisamos que nosso consumo consciente extrapole nossas bolhas, que incomode o poder público, que incomode grandes indústrias, que chacoalhe as estruturas. O consumo consciente precisa ser coletivo, comunitário e comum. Assim é que vamos transformar não apenas nossa realidade, mas a de todo o planeta. O horizonte é de lutas e consciências coletivas.