Dia desses, tava lendo um livro do Luiz Antonio Simas e me veio uma de suas crônicas à cabeça quando comecei a escrever esse texto. A crônica se chama “A morada do rei dos índios”, do livro Pedrinhas miudinhas. Bom, essa crônica fala de como o povo da curimba vê a natureza. O rio é um Orixá, o vento também. A natureza guarda mistérios que devem ser respeitados, desde o mar – em sua imensidão – às pedrinhas pequeninas que encontramos no chão.
No dia 2 de fevereiro é “comemorado” o Dia Mundial das Áreas Úmidas, mesmo dia que o povo de fé saúda Iemanjá e os católicos saúdam a Nossa Senhora dos Navegantes.
Mas voltando às áreas úmidas: Essas áreas não são tão conhecidas como as florestas tropicais, mas são igualmente importantes. Charcos, pântanos, várzeas e mangues fazem fronteira entre ambientes aquáticos e terrestres, ou seja, são regiões que possuem o solo coberto por água por alguns períodos ou o ano todo. Há áreas como as turfas, igapós e buritizais que têm menos de seis metros de profundidade de água e também se encaixam nessas áreas.
Elas são de suma bem importantes para o equilíbrio ecológico da Terra. Todo aquele rolê dos ciclos de água, de nutrientes, na recarga dos lençóis freáticos e na manutenção da biodiversidade etc e tal. Nesses locais existem muitas espécies que só existem ali, tanto de plantas, quanto de animais. Essas formas de vida têm adaptações específicas e só sobrevivem nestes locais.
Muita gente mora ao redor dessas áreas por elas oferecerem recursos como peixes, madeira, caça, e nas várzeas, tem um solo rico, ideal para agricultura e pecuária. As vias fluviais também ajudam na mobilidade, outro fator que atrai as pessoas para estes lugares.
No Planeta todo, são aproximadamente 13,6 milhões de quilômetros quadrados. Quase 20% da América do Sul e quase o mesmo tanto do território brasileiro. Na Bacia Amazônica, são mais de 30% do território, totalizando mais de 2 milhões de quilômetros quadrados, segundo a WWF Brasil.
Assim como todos os nossos biomas, as áreas úmidas estão sofrendo com vários problemas. Uma delas é a drenagem, aproveitando as suas águas para pecuária e agricultura. Outros problemas são a poluição pelos esgotos e lixos domésticos. Ah! Tem a mineração, que joga dejetos a torto e direito nesses espaços. As construções de hidrelétricas causam mudanças nos ciclos de secas e cheias. E tem também desmatamento nas “cabeceiras”, construção de hidrovias, diques, exploração indevida de peixes e madeiras. Pra ajudar a piorar, o Brasil não possui leis específicas para áreas úmidas.
A gente pode falar que o brasileiro não tem educação ambiental? Pode. É de bom tom? Não é de bom tom. Educação ambiental é extremamente necessário para que nós possamos evitar e jogar lixo, por exemplo, em rios ou em áreas úmidas. Mas na verdade esse é um papel que o Estado deve cumprir. Criação de leis é urgente. Fazer valer o Código Florestal também é uma boa. Cobrar responsabilidade de mineradoras e empresas que estão acabando com o nosso país também cai bem. Creio que a educação ambiental pode ajudar nisso, na criação de cidadãos que cobrem o Estado por isso.
As áreas úmidas ajudam a proteger contra eventos severos de secas e cheias. Por exemplo, nos períodos de cheia, elas armazenam a água em excesso no período seco, elas devolvem essa água, aos poucos e de forma natural. A partir deste ciclo, elas ajudam a amortecer impactos, diminuindo a gravidade das secas e cheias.
É complicado ver que por ganância humana, a gente tá perdendo tudo. De forma alguma espero que os acionistas de uma mineradora olhem para um igarapé e imaginem que ali há tanta vida, para além de corações batendo e microorganismos, que talvez eles possam, sei lá, usar o espaço com responsabilidade. Não espero, infelizmente, que ministros do meio ambiente comecem a agir na restauração de tantas árvores tombadas, ou depois de ver onças pegando fogo. A vida em cada folha, o encanto em cada vida e vento não faz sentido pros “grandes” homens. A árvore magrinha que nasce no igarapé só faz sentido pra quem a enxerga como vida e, quem a enxerga como vida, são as “pequenas” pessoas.
Neste 2 de fevereiro, quando lembrarmos da Rainha das Águas e da Padroeira dos Navegantes, oremos por força para agir. A saída é em coletivo, pressionando quem deve ser pressionado e escolhendo (olha a nossa chance chegando!) quem nos represente e pense, assim como o povo de fé, que desde o mar – em sua imensidão – às pedrinhas pequeninas que encontramos no chão, há vida e há mistérios a serem respeitados.
Por fim, saúdo aqui Iemanjá e Nossa Senhora dos Navegantes. Que a abundância não nos falte e a força não nos abandone.
Coragem! O ano tá só começando <3