O novo ano começa com uma ótima novidade no mercado editorial brasileiro, que veio para oxigenar este janeiro que está literalmente sufocante com o avanço da segunda onda da pandemia. Para compreender ainda mais a importância dessa década que se inicia – e na qual uma nova relação com o meio ambiente, com as florestas e as plantas se faz necessária – um excelente início é a leitura do livro “Vozes Vegetais”, da Ubu Editora. “Ouvir as vozes vegetais é o primeiro passo para vegetar com elas. Vegetar é crescer em contiguidade com o mundo, engajar-nos com aquilo que nos circunda”. Esse é o fio condutor dos 17 ensaios, depoimentos e poemas reunidos no livro que dão um panorama do que há de mais avançado na pesquisa da relação entre seres humanos e plantas no Brasil. Todos os textos abordam, além do campo ambiental, o político e o econômico também.
Dividido em quatro partes, “Semear a terra: modos de resistência contra o reacionarismo moderno, “Raízes da diversidade: saberes dos povos do passado e do presente, histórias de vida e lugares de memória”, “Socialidades vegetais: parentesco, predação, cuidados e afetos” e “Colhendo frutos: mito e ritual, ciclos de vida e interações multiespécies”, o volume reúne textos de um filósofo, uma botânica, uma arqueóloga e um arqueólogo, uma agricultora e agrônoma, um agrônomo, antropólogas e antropólogos, cientistas sociais, pensadores indígenas e uma poeta, Júlia de Carvalho Hansen. Participam Pedro Paulo Pimenta, Stelio Marras, Laure Emperaire, Marta Amoroso, Miguel Aparicio, Fabiana Maizza, Karen Shiratori, Igor Scaramuzzi, Creuza Prumkwyj Krahô, Veronica Aldé e Izaque João Kaiowá, entre outras e outros. O livro se junta a outro lançamento da mesma editora que é fundamental para compreender o mundo vegetal, “A Revolução das Plantas”, do criador da neurobiologia, o italiano Stefano Mancuso, do qual já escrevi aqui na coluna em 2019.
Década da Restauração de Ecossistemas
O lançamento vem em um excelente e oportuno momento. É que em 2019 a Assembleia Geral das Nações Unidas declarou o período 2021-2030 como a Década da ONU da Restauração de Ecossistemas. O anúncio antecedeu a realização da Quarta Assembleia da ONU para o Meio Ambiente, que é o principal fórum global para tomadas de decisão em questões ambientais. O evento reuniu ministros de meio ambiente de diversos países e representantes do setor privado, governos, sociedade civil e academia para discutir os problemas mais urgentes do nosso tempo, e os ecossistemas foram elencados como prioridade. Afinal, a degradação dos ambientes terrestres e marinhos já compromete o bem-estar de 3,2 bilhões de pessoas e custa cerca de 10% da renda global anual em perda de espécies e serviços ecossistêmicos. Atualmente, cerca de 20% da superfície do planeta apresenta declínio na produtividade ligada à erosão, ao esgotamento e à poluição em todas as partes do mundo. E até 2050, a degradação e as mudanças climáticas poderão reduzir o rendimento das colheitas em 10% a nível mundial e até 50% em certas regiões. O cenário é aterrador, e a Década da Restauração de Ecossistemas é um apelo global que pede ações imediatas com apoio político, pesquisa científica e fortalecimento financeiro para iniciativas bem-sucedidas para restaurar milhões de hectares no planeta todo. Vale lembrar que pesquisas mostram que mais de 2 bilhões de hectares de paisagens desmatadas e degradadas em todo o mundo oferecem potencial para restauração.
O Desafio de Bonn
A declaração se faz urgente e necessária para enfrentar os impactos da mudança do clima e da perda da biodiversidade. Ela visa a criação de empregos, a segurança alimentar, o enfrentamento da mudança do clima e conservação da biodiversidade e fornecimento de água, que é o “novo” petróleo do século 21. Para entender a importância vital do comprometimento dos países com esta década, a declaração acelerará as metas existentes de restauração global – como o “Desafio de Bonn”, que tem por objetivo restaurar 350 milhões de hectares de ecossistemas degradados até 2030, uma área quase do tamanho da Índia. Ação que pode gerar até nove trilhões de dólares em serviços ecossistêmicos e remover de 13 a 26 gigatons adicionais de gases do efeito estufa da atmosfera.
Ecossistemas-chave estão diminuindo rapidamente, e são eles que fornecem inúmeros serviços essenciais à alimentação e à agricultura, incluindo fornecimento de água doce, proteção contra riscos e fornecimento de habitat para espécies como peixes e polinizadores. Mas graças ao esforço hercúleo de entidades governamentais e privadas, atualmente mais de 50 países, governos nacionais e organizações privadas se comprometeram a contribuir com a restauração de milhões de hectares em todo o mundo. Pois de uma coisa a humanidade nunca há de esquecer após a Covid, uma lição para guardarmos nesta nova década do século 21, que é impossível negar as consequências das ações dos seres humanos para o planeta como um todo, planeta que é um organismo vivo, e que há décadas vem emitindo sinais, a sua voz, voz que se tornou desde o ano passado em um grito.