Ele já foi garçom em buffet de festa infantil, já trabalhou em barraca de praia. Ele já foi homem-placa, assim como entregador de comida e panfleteiro. Ele largou a escola na oitava série e hoje é um grande novo nome da literatura brasileira. Estamos falando de Geovani Martins.

Geovani é o nome por trás dos 13 contos que compõem “O Sol na Cabeça”, lançado em março deste ano pela Companhia das Letras e que alcançou um feito inédito: foi vendido para 7 países antes mesmo de seu lançamento. Um sonho alcançado para um jovem que veio da periferia do Rio de Janeiro, onde a realidade comum não abre portas para o mundo das artes.
O Sol na cabeça de Geovani Martins
Geovani Martins nasceu em 1991 em Bangu, zona Oeste da cidade do Rio de Janeiro. De lá, bairro mais quente da cidade, cujo IDH é 0,794 (muito abaixo dos 0,967 do Leblon, bairro mais caro da cidade), partiu para o Vidigal, Rocinha e Barreira do Vasco, três favelas da capital carioca. Por entre as periferias do Rio, a vida não foi fácil. Geovani deixou os estudos e não chegou a fazer o ensino médio, mas a relação com as palavras tornou-se paixão desde quando foi alfabetizado pela avó e ouvia dela histórias infantis. Desde então, em meio aos empregos informais, a leitura se tornou sua parceira.
O sonho de escrever o seu próprio livro começou a tomar forma quando Martins teve a oportunidade de participar de uma oficina literária na Biblioteca Parque da Rocinha em 2014. Em entrevista à Folha, o poeta Carlito Azevedo, responsável pela oficina, relembrou uma das atividades. O poeta-professor pediu que os alunos escrevessem um conto a partir da morte do cinegrafista Santiago Andrade, atingido por um rojão. Geovani não falou da polícia, nem do próprio cinegrafista. O protagonista de sua história foi o próprio rojão.
“Ele escolheu um ângulo inesperado. Geovani é aquele craque que, em vez de ser só ótimo em uma jogada conhecida, descobre uma inesperada. O rojão era o único elemento da cena que não vinha com psicologia pronta.”
Depois da oficina, que lhe rendeu algumas publicações na revista literária “Setor X”, Geovani também participou de oficinas da Flup (Festa Literária das Periferias), e representou a Setor X na Flip, a Festa Literária Internacional de Paraty, em 2015. A Companhia das Letras chegou até ele em 2017, dois anos depois, quando Martins foi à Flip pela segunda vez. “O Sol na Cabeça” é o resultado desse encontro.
O livro chegou em março deste ano às lojas e hoje já está encaminhado para lançamento em 9 países, incluindo Estados Unidos, Alemanha, Inglaterra, China, França e Itália, além de ter seus direitos vendidos para a produção de um longa metragem, com direção de Karim Aïnouz (Madame Satã e Praia do Futuro). Tudo isso porque Martins fala com verdade e propriedade sobre a margem, e sob o olhar daqueles que vivem nela. Fala sobre a favela, sobre o asfalto, sobre as vidas que passam entre elas e as leituras que são feitas nesses espaços. Tudo embalado de uma linguagem crua das ruas. O lirismo de O Sol na Cabeça é a fala que se encontra no dia a dia, em sua mais riqueza de nuances.
“Rolézim”, um dos contos, fala sobre o acesso às praias da Zona Sul pelos jovens da favela em meio à repressão policial. Já a “A história do Periquito e do Macaco” narra sobre as mudanças ocorridas na Rocinha após a instalação da Unidade de Polícia Pacificadora, a UPP, enquanto em “Estação Padre Miguel”, os fuzis de traficantes locais são peça chave da história. Contos que falam da realidade das periferias do Rio de Janeiro, excluídas do restante da cidade, mas não em terceira pessoa. Quem escreve é quem vive nelas. Hoje em dia, muito se debate sobre local de fala. “O Sol na Cabeça” é o brilhante resultado quando se permite que moradores das periferias falem sobre a sua própria territorialidade. Conheça mais sobre o trabalho de Geovani Martins clicando aqui.
