Dona Ivone Lara é um nome que marcou a história da música Brasileira. Com 19 discos desde 1970, Yvonne Lara da Costa se consagrou enquanto Rainha do Samba de Raiz, foi tema de enredo em escola de samba e premiada internacionalmente por sua contribuição com a cultura brasileira. Para além de todo este sucesso, o que poucos sabem é que a compositora desenvolveu também um importante papel na saúde manicomial do país, atuando enquanto enfermeira, assistente social e contribuindo com a causa antimanicomial e por mais direito às pessoas pobres e debilitadas.
Yvonne Lara, seu nome de batismo ao invés do artístico Dona Ivone, nasceu em 1921 no Rio de Janeiro, e seis anos depois já era orfã de pai e mãe quando passou a estudar no internato do Colégio Orsina da Fonseca. Por 10 anos viveu na instituição que ficava na Tijuca, Zona Norte da cidade. Foi na escola que Yvonne desenvolveu sua aptidão e primeiros reconhecimentos pela música: foi professora de Lucília Villa-Lobos, esposa do maestro Villa-Lobos, um dos mais consagrados no país. Quando saiu do internato e foi viver com seu tio, a música popular entrou em sua vida. Com ele, aprendeu a tocar cavaquinho. Dionísio Bento da Silva, seu tio, fazia parte do grupo de chorões ao lado de Pixinguinha, outro músico que contribuiu para a música brasileira.
Cercada pela música seu caminho não poderia ser outro: em 1945 mudou-se para Madureira, também na Zona Norte carioca, e passou a frequentar a Escola de Samba Prazer da Serrinha, pra quem compôs sambas logo depois. Um fato interessante é que à época o preconceito com mulheres dentro do samba ainda era grande, e muitas de suas letras eram comercializadas como sendo de seu primo também compositor. 2 anos depois casou-se com Oscar Costa, filho do presidente da escola. Foi de Dona Ivone o samba enredo “Nasci para sofrer”, hino da Prazer da Serrinha.
Dona Ivone Lara e a luta antimanicomial
Outro lado envolvia a paixão de Dona Ivone de Lara: não só a música, mas as pessoas. No início dos anos 50 tornou-se não só uma compositora reconhecida como enfermeira, e em sequência assistente social. Sua especialização na área foi em terapia ocupacional, e exerceu a profissão ao lado da médica psiquiatra Nise da Silveira. Nise e Dona Ivone foram nomes pioneiros na luta antimanicomial. Ambas atuavam no bairro do Engenho Novo, onde fica o Centro Psiquiátrico Nacional Pedro II.
Nise da Silveira lutava contra as técnicas psiquiátricas agressivas utilizadas à época, como a aplicação de eletrochoques em pacientes. Como punição, foi transferida para o trabalho com terapia ocupacional, onde atuou com Yvonne. Nise fundou a “Seção Terapêutica Ocupacional” da instituição, desenvolvendo ateliês de arte com os pacientes. Enquanto isso, Yvonne percorria o Rio de Janeiro e cidades vizinhas em busca pais, avós e responsáveis que abandonavam seus familiares nos hospitais.
Um exemplo de amor pelas pessoas
Juntas, Nise e Dona Ivone quebraram muitas barreiras. Nise foi a única mulher entre 157 homens que se formaram em medicina em sua turma. Na arte, Dona Ivone enfrentou a mesma barreira e foi a primeira mulher a compor uma ala de compositores em escolas de samba. A arte, seja pelo samba ou pintura, foi outro ponto que uniu as duas mulheres para além da luta em prol de uma saúde mais digna e humana.
A partir de então, ambas seguiram seu trabalho, sua história, e cada qual com o eterno reconhecimento por suas atuações e inegável contribuição para a história deste país. Ao falecer, no dia 17 de abril deste ano, Dona Ivone Lara já acumulava homenagem no Festival Latino da Eurodisney, França; a Medalha Pedro Ernesto recebido pela Câmara dos Vereadores do Rio de Janeiro em 1999, Prêmio da Academia Charles Cros, em Paris, pelo CD Nasci para sonhar e cantar; Prêmio da Música Brasileira do Theatro Municipal do Rio de Janeiro em 2010; além de shows na França (Hot Brass), África (Panafest99), Portugal, Suíça (Festival Montreux), Alemanha (Festival Viva Afro), Angola, Nova York (Brazilfest) e Dinamarca.
Viva Dona Ivone Lara, um exemplo de amor pela música e pelas pessoas!