Carmen Silva Ecoa por ai!
Atitude Bemglô

Carmen Silva Ecoa por ai!

Carmen Silva Ecoa por ai!

No dia 2 de dezembro aconteceu o Prêmio Ecoa, que promoveu homenagens às pessoas e iniciativas que buscam mudar a realidade do nosso Brasil.

Bom, o evento já começou com a homenagem póstuma a Irmã Dulce: missionária cristã que dedicou sua vida aos mais pobres, aos que chamamos hoje de “trabalhadores de menor renda”. Quem foi falar sobre essa mulher foi Padre Júlio Lancelotti, pedagogo e presbítero católico que exerce um trabalho lindo e humano nas ruas de São Paulo.

Começo falando sobre Irmã Dulce e Padre Júlio Lancelotti porque nesses tempos em que colocam Deus acima de tudo, esquecem de olhar pro lado e ver quantos brasileiros se encontram na mais pura miséria. Desde o começo da pandemia, aumentaram exponencialmente o número de moradores de rua, resultado do desemprego junto com a ausência completa de politicas públicas.

Lembra do começo da pandemia? O “Fica em Casa”? Na verdade muita gente ficou sem casa. É só andar pelas ruas da Sé. Ou melhor, é só andar por qualquer rua e você vai ver.

A pessoa que eu quero falar hoje, é uma mulher que atua na linha de frente pra diminuir as desigualdades com a luta por Moradia Digna. Por isso ganhou o Prêmio Ecoa de 2021 na categoria “Causadores”.

Saiu de Salvador, ameaçada pelo ex marido que a agredia. Fugiu para São Paulo porque precisava sobreviver. Carmen deixou seus 8 filhos sob os cuidados do avô e foi a capital na esperança de conseguir um emprego e leva-los para junto de si. Encontrou uma cidade fria e sem oportunidades de emprego. Morou nas ruas até se juntar a outras mulheres e iniciar a se movimentar por um dos mais fundamentais direitos do ser humano: a moradia.

Muita luta aconteceu e em 2000, Carmen fundou o MSTC — Movimento dos Sem Teto do Centro — movimento que ocupa prédios abandonados e sem nenhuma função social no centro de SP.

Cerca 290 mil imóveis vazios na capital de São Paulo, segundo o Censo de 2010 do IBGE. Sabe o que o MSTC? Entra no prédio abandonado, devedor de impostos, retirar quilos e quilos de entulhos, lixos, ratos e após uma limpeza, coloca famílias para viver sob um teto. Mas não é só isso, não é só morar, o que Carmen e todo o Movimento faz é transformar essas Ocupações em Moradias Dignas. Ocupar é cuidar. É pegar um corpo doente, limpa-lo e colocar vida dentro dele.

Moradia é a porta de entrada para outros direitos essenciais. Veja bem, sem um CEP você não faz cadastro na UBS, em uma escola pública e outros aparelhos do Estado. Um dos primeiros trabalhos do MSTC, por exemplo, é orientar as famílias sobre a necessidade da emissão e atualização de documentos. Se você fica duas eleições sem votar, seu CPF bloqueia e você não consegue acesso a programas governamentais. Isso faz com que para estar nas ocupações, você coloca em prática a cidadania, conhecendo os seus direitos e deveres.

Foi pela necessidade de morar, trabalhar e querer ter uma vida digna, que Carmen se tornou líder do MSTC, é urbanista prática respeitadíssima, já lecionou e leciona em cursos de Arquitetura e discute altivamente com autoridades dos setores públicos, privado e acadêmico a questão de moradia. Ganhou inúmeros prêmios, entre eles o FNA, APCA, ARCHcine, o de Melhor Atriz por “Era O Hotel Cambridge” e mais outros nos festivais do Rio de Janeiro, San Sebastián e Rotterdam.

Ganhou esses prêmios porque já tirou mais 3 mil pessoas de moradias precárias e debaixo dos viadutos. Porque promove inclusão social, acesso à saúde, educação, cultura, lazer e à segurança alimentar. No começo da pandemia, Carmen não conseguiu ficar em casa vendo tanta gente sendo abandonada: Fundou a Casa Verbo, uma extensão do MSTC, que atendeu mais de 12 500 famílias em 130 territórios vulneráveis ao corona vírus em São Paulo. Cerca de 60 mil pessoas em 3 meses de Casa Verbo receberam 45 mil cestas básicas, outros 45 mil kits de higiene e limpeza, 25 toneladas de verduras e legumes, mais de 13 toneladas de banana, 180 mil ovos de galinha, 2 500 ovos de páscoa, 3 mil itens de higiene, como sabonetes e shampoos.

Nessa época do ano, Natal, vemos muitos apelos por caridade, por olhar o próximo. Mas o que Carmen Silva ensina, é que só a caridade natalina não muda nada, apenas afaga a culpa cristã presa no nosso peito uma vez que passamos o ano inteiro vendo pessoas e mais pessoas morando nas ruas e optamos por ignora-las ou julgar que é uma escolha consciente. Que Carmen Silva seja exemplo que só a luta pela justiça social pode recobrar a humanidade que a gente tanto clama.

A luta de Irmã Dulce foi pelos mais pobres. A Luta de Carmen é pelos trabalhadores de menor renda. Longe de mim santificar Dona Carmen. Essa passou longe de freira. Mas o que quero dizer é que sempre, e em qualquer lugar, há uma mulher decidida a lutar pelos outros. São nelas que a gente tem que se agarrar, acompanhar e apoiar. Carmen Silva são muitas!

Que em 2022 Carmen continue ecoando sua voz e luta por ai!

 

Ao receber o Prêmio Ecoa, Carmen o dedicou a Lorena Ferreira: sua filha que faleceu a poucos meses. Lorena foi uma dos filhos que Carmen trouxe para São Paulo no começo da sua luta por moradia. O MSTC foi sua casa e causa. Ao final, Preta Ferreira, também filha de Carmen e uma das lideranças do Movimento, cantou em homenagem a sua irmã que partiu.
Aqui, imagino que Irmã Dulce acolheu Lorena da melhor forma possível.