Vocês sabem o que são quilombos? Este é o nome dado aos pequenos vilarejos desde a época do Brasil colônia e escravocrata, formados por comunidades negras que, umas vez livres dessa realidade que mancha a história brasileira, encontravam no cultivo da terra uma via para manter vivas as suas tradições.
Os quilombolas, que povoam essas comunidades ainda hoje em áreas rurais, remotas e ribeirinhas, são parte da cultura e identidade brasileira, e ao lado dos povos indígenas e originários sofrem com o desmatamento e a incessante luta por terras. Ainda que o direito à terra quilombola seja resguardado pela Constituição Federal de 1988, o reconhecimento e titulação dessas terras é um processo lento e burocrático, colocando em risco a segurança das comunidades.
“Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras, é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes títulos respectivos.” (Constituição Federal de 1988 – Artigo 68 do Ato das Disposições Transitórias)
Cultura Quilombola e Identidade Brasileira
Quando os europeus chegaram no Brasil, dizimaram as etnias encontradas aqui, escravizando povos indígenas, como também trouxeram do continente africano milhões de pessoas negras para compor a mão de obra barata que construiu o país hoje entendido como Brasil.
A escravidão é um longo capítulo da nossa história, e os quilombos são espaço que desde então tornaram-se pontos de resistência para a ancestralidade africana que se soma à identidade brasileira. São comunidades que preservam os costumes, a memória e a arte dos povos trazidos à força para as Américas.
Como pontua a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), “ao negro foi-lhe negada uma cidadania real mesmo após a abolição da escravatura. Recusados e discriminados como mão de obra paga, muitos negros estabeleceram-se sob as bases da agricultura de subsistência, comercializando, quando possível, seus excedentes. Na maioria das vezes posseiros ou pequenos proprietários os grupos rurais negros constroem coletivamente a vida sob uma base material e social, formadora de uma territorialidade negra, na qual elaboram-se formas específicas de ser e existir como camponês e negro”.
No Brasil colônia, a supremacia europeia tanto dizimou a cultura dos povos trazidos e dos que já viviam aqui, como também avançou sobre todos os recursos naturais brasileiros, sobretudo as florestas. E é nela que a história desses povos se encontram. Os quilombos, além de pontos de resistência da cultura africana, também, assim como as terras indígenas, tornaram-se pontos de preservação das matas, rios e florestas.
Não é de se espantar que a cultura quilombola seja vista pelos setores conservadores e exploradores da sociedade como um empecilho ao desenvolvimento.
Nenhum Quilombo a Menos
Segundo a Conaq, existem hoje no Brasil cerca de 2.800 terras quilombolas identificadas. Dessas, como aponta a Comissão Pró-Índio de São Paulo, apenas 179 estão devidamente tituladas (138 por governos estaduais e somente 38 pelo Governo Federal). Na lista de espera em processo estão mais de 1.600.
Após a abertura de processo de titulaçao por associações representativas ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), o documento passa por emissão de certidão, relatório técnico de identificação, análise por comitê regional, consulta a orgãos, análise da situação fundiária, em alguns casos pela Casa Civil para então chegar à presidência do Incra, que em caso positivo deve encaminhar para a demarcação física, para só então outorgar título e então registrar em cartório. Acompanhe todas as etapas possíveis em detalhes aqui.
O processo para a titulação definitiva não facilita a proteção dessas terras, fazendo com que movimentos independentes cobrem por essa proteção. O Nenhum Quilombo A Menos é uma dessas iniciativas, tendo nascido como uma campanha para barrar a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 3239/2004, do antigo Partido da Frente Liberal (PFL), atual Democratas (DEM), que não só viria a paralisar a titulação de terras quilombolas pelo Incra como todas as comunidades já reconhecidas.
Demarcação Paralisada
A ação foi derrotada no Supremo Tribunal Federal, em uma vitória histórica das comunidades quilombolas contra os ruralistas, mas um ano depois as titulações encontram-se ameaçadas mais uma vez.
Fazem 100 dias, a contar do mandato do atual governo, que não há qualquer movimento para a proteção dessas terras. Como numera a Comissão Pró-Índio: “zero titulações, zero decretos de desapropriação, zero portarias do presidente do Incra e zero relatórios de identificação publicados.”
Os quilombos são espaços de ancestralidade em um país que cada vez mais apaga a própria história. A escravidão deixou marcas irreparáveis, e proteger terras que mantém vivos os costumes de povos trazidos para construir este país é o mínimo que se pode fazer para manter viva também a nossa própria memória.
Acompanhe a Conaq, a Comissão Pró-Índio, a organização Terra de Direitos, o Instituto Socioambiental, e informe-se sobre este movimento. Onde estão as demarcações de terras indígenas e quilombolas? Onde estão asseguradas a ancestralidade brasileira?