O trabalho de recuperação do sistema lagunar: Biólogo Mario Moscatelli
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O trabalho de recuperação do sistema lagunar: Biólogo Mario Moscatelli

O trabalho de recuperação do sistema lagunar: Biólogo Mario Moscatelli

Desde que escolheu a biologia dentre uma porção de sonhos da infância, Mario Moscatelli atua em defesa das lagoas do Rio de Janeiro sobretudo dos manguezais, ecossistema fundamental para a biodiversidade da costa e depuração da água. Em 30 anos nessa trajetória, desde a chefia do departamento de controle ambiental da prefeitura de Angra dos Reis, o biólogo esteve à frente da recuperação de mais de 2 milhões de metros quadrados em manguezais nas baías de Guanabara, Ilha Grande, Gramacho, Baixada de Jacarepaguá, Lagoa Rodrigo de Freitas, entre outros pontos. Tal conquista, porém, veio com preço alto. Moscatelli já sofreu ameaças e precisou deixar o país na década de 1990.

Mortandade da Lagoa Rodrigo de Freitas em dezembro de 2018 (foto: Marcia Folleto)

Mario é biólogo de formação, mestre em ecologia, especialista em gestão de ecossistemas costeiros, e além do departamento da prefeitura de Angra, onde trabalhou de 89 a 1991, também atuou na assessoria da secretaria do estado do Rio de Janeiro, de 2000 até 2002. A primeira experiência interrompida sob ameaça à sua integridade física, assim como a segunda, quando precisou deixar o cargo sob pressão de setores que não se beneficiavam de suas ações a favor do meio ambiente.  Sobre a segurança dos ativistas ambientais no país, comenta: “o Brasil continua o país mais letal para profissionais do ambiente. Aliás, para qualquer profissional que trabalhe direito”.

Quando olha para trás, conta que enfrentar a corrupção ambiental de grupos privados e públicos que degradavam de forma impune foi o maior dos desafios. Decepção, pontua ele, é a apatia da sociedade que ainda hoje impera diante a causa ambiental, além de nessa trajetória nunca ter visto um grande degradador pagando por seus crimes. De fato, ao longo de 30 anos, como relata em sua palestra para o TedxTalks, essa batalha é sistêmica. Uma contínua cobrança dos órgãos públicos e incansável trabalho de conscientização da população (assista “As vidas que os mangues salvam” aqui).

Somos originados de uma colônia de exploração e culturalmente continuamos pensando e agindo como tal. Queremos, independente da classe sócio-econômica e da escolaridade, tirar o máximo possível no menor prazo possível  e aí quem paga a conta é o meio ambiente como tem sido nos últimos 400 anos. (…) Isso é o que eu vejo nos últimos 30 anos combatendo a degradação. Muita conversa, algumas vitórias no varejo e uma verdadeira goleada de degradação no atacado. Continuamos exploradores europeus em pleno século XXI.

Mario Moscatelli e o Olho Verde

O projeto Olho Verde é uma das diversas formas que Moscatelli encontrou para proteger as o sistema lagunar fluminense. De forma independente desde 1997, o biólogo sobrevoa áreas costeiras, denuncia áreas em processo de degradação e encaminha relatórios fotográficos a orgãos públicos. O projeto surgiu da necessidade de entender de onde vinha a degradação que atingia lagoas, manguezais e baías, e chegou a se manter com o apoio da câmara comunitária da Barra da Tijuca, zona oeste do Rio de Janeiro. “A importância é ir onde quase ninguém tem acesso, em áreas conflagradas sem qualquer segurança e fazer imagens que quase ninguém faz da degradação”.

Entre os pontos sobrevoados, Moscatelli cita as lagoas de Jacarepaguá, a própria praia da Barra e o Canal do Fundão, onde mais de 25 hectares chegaram a ser recuperados. Devido à falta de manutenção dos trabalhos efetuados, o biólogo conta que algumas áreas como o Canal voltaram ao estágio de degradação inicial. “A área é tida como recuperada”, conta ele, “quando apresenta as condições ambientais necessárias para a flora se auto substituir por meio da produção de novas mudas e a fauna associada se apresentar”. Hoje, o projeto Olho Verde se mantém de forma completamente independente. Todos os vôos são pagos com recursos próprios, coletados em doação online ou através de  amigos e artistas. “Em resumo, na base do amor“.

As principais denúncias e demandas apontadas pelo biólogo, e que se aliam diretamente à sua atuação enquanto ativista ambiental, é a ineficaz aplicação de recursos e políticas públicas que considerem o meio ambiente em simultâneo às ações de ordenamento, infraestrutura e saneamento básico.  Quando questionado sobre três possíveis causas para a degradação do sistema lagunas, destaca: falta de ordenação do uso do solo, onde se ignora o crescimento urbano desordenado; falta de políticas públicas de habitação permanentes para a população de baixa renda; e falta de universalização dos serviços de saneamento de qualidade, quando na verdade se paga por um serviço que não se recebe.

Quanto mais os grandes centros urbanos se desenvolvem, maior a necessidade por moradia, terra, expansão de rodovias e produção de energia, entre outros, e é na natureza onde se encontram todos esses recursos. Essa explosão urbana, portanto, há anos vem sendo acompanhada sem preocupação ambiental devida e investimento em soluções sustentáveis. Moscatelli, aponta, por exemplo, como os grandes eventos sediados no Rio de Janeiro poderiam trazer luz para a causa ambiental, o que não ocorreu. Em sua coluna na Wall Street Magazine, onde escreve sobre economia, política e meio ambiente, aponta que os 1.7 bilhões de reais gastos com o Maracanã seriam mais do que suficiente para recuperar todo o sistema lagunar da baixada de Jacarepaguá e de sua bacia hidrográfica, região que beneficia cerca de 1 milhão de pessoas. “Tivemos tudo para dar uma virada na degradação no sistema lagunar“, ele conta, o que não ocorreu com a “certeza da impunidade e falta de pressão da sociedade“.

Para transformar essa realidade, a saída é o apoio popular e a união de toda a sociedade civil na cobrança por seus direitos: “o caminho são campanhas onde o cidadão se sinta um elemento transformador na sua casa, na sua rua, no seu bairro e assim por diante”. A adesão nem sempre é grande e ainda há muito trabalho de conscientização para ativar o que ele chama de audição ambiental: “uns ouvem o chamado, outros não. É preciso ação concreta e engajamento de formadores de opinião, sempre que possível, atuando junto com a imprensa e com setores produtivos interessados de fato na causa ambiental”.

É nas redes sociais que Moscatelli divulga suas ações, manifestações, publica denúncias e compartilha informações importantes sobre seu trabalho. Faça parte desse movimento em sua página no Facebook, compareça nas ações e ajude a compartilhar essa ideia.

Em uma mensagem final, quando perguntado sobre o que seria indispensável dizer às pessoas, Mario Moscatelli devolve um questionamento:

A espécie humana é apenas mais uma tentativa da Natureza. A civilização como a conhecemos é fruto da estabilidade climática, a mesma que insistimos em destruir junto dos ecossistemas que constituem os mecanismos de homeostase local e planetária. A Natureza de uma forma ou de outra continuará seu caminho. A questão é até quando vamos continuar com Ela nessa saga?! A mensagem é até quando vamos continuar fazendo de conta que esse assunto não nos diz respeito, deixando todas as decisões e omissões nas mãos do poder público?


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